RISCOS

Quando passo rente a alguém

Que olha o passado a sorrir

Pergunto se ainda convém

Que alguém pense em desistir.


As sementes que nascem aqui

Neste espaço dos cativos

São o melhor que um dia vi

Para mostrar que estamos vivos.


Cruzo-me com os peregrinos

Que vêm em sentido oposto

Uns homens, outros meninos

Vivem a história a seu gosto.


No recato em que a palavra

Jorra em dedos e se faz luz

É como porta que se abra

A penitente junto à cruz.


Em cada texto que escrevo,

Para revelar meus segredos

Sei que faço o que não devo,

Mas faço-o a tremer de medos.


Exponho palavras ao perigo

Semeio-as entre hesitações

Como o semeador ao trigo

Ou o trovador às canções.


Palavra que me sai dos dedos

Deixo-a entregue à própria sina

Com a sua coragem ou medos

Em transe ou parada à esquina.


Se morre em qualquer gaveta

Coberta da poeira de anos

Tem a sorte de uma corneta

A que furassem os canos.


Desejo sorte a quem parte

Procuro a sorte onde estou

Bem basta o revés da arte

Que antes de nascer abortou.


A perda de um grande amor

Deixa marcas a vida inteira

Pouco importa como ela for

Numa relação verdadeira.


As lágrimas que regam a cova

De quem baixa à sepultura

São sementes de vida nova

Que brota na noite escura.


Levamos à cova sem fundo

Aqueles a quem queremos tanto

É essa a lei deste mundo:

Morre o mau e morre o santo.


Ao subir ao mais alto monte,

Foi tão forte o que eu senti

Ao ver mais largo horizonte

Que só queria ficar sempre ali.


Façamos aqui três tendas,

Como rezam as escrituras,

Duas para postos de vendas

E a outra para as aventuras.


Para quem a vida é trabalho

Vinte e quatro horas por dia

Venda o seu tempo a retalho

Para se livrar da porcaria.


Há tempo para o bem e o mal

E há de sobrar tempo, enfim,

Para deixar de lado o dedal

Porque tudo acabará assim.


No reino das vistas estreitas

Quem ousa olhar mais longe?

Até a cama em que te deitas

É como a cela de um monge.


São pessoas como as demais

A quem outros tomam a sério

Podem ser filhos ou ser pais

Mortos que buscam cemitério. 

Júlio Rocha (16/3/2025)

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